Não! Não comungo da ideia de que o acidente que vitimou Sá Carneiro “teve que ser”, forçosamente, resultado de um atentado.
Pela mesmíssima razão por que não sou capaz de excluir, peremptoriamente, que o não tenha sido.
Só porque não sei!
Como, aliás, parece que ninguém sabe! Ou, se sabe, não o diz!
O que sei é que, ciclicamente, o 4 de Dezembro de cada ano se está a transformar num dia de evocação, quase adoração, de um homem que, enquanto viveu, mereceu muito menos elogios dos seus admiradores, seguidores, adoradores, do que agora se pode constatar.
É quase sempre assim! Depois da morte, os maiores defeitos tendem a diluir-se…
Sá Carneiro foi um político, ambicioso, teimoso, calculista.
Há quem o considere corajoso.
Acho que o terá sido, sim, mas dentro de um calculismo, “bem calculado”, bem medido, moderadamente, ponderadamente, numa versão “marcelista” que a militância na Assembleia Nacional lhe foi proporcionando e permitindo.
Depois do 25 de Abril de 1974, fez o que muitos outros fizeram:
Seguiu os seus instintos, interesses, convicções e tentou tirar o melhor proveito das circunstâncias e dos momentos conturbados que se seguiram.
Quem viveu esses tempos recordará como era polémico mesmo dentro do seu partido!
Uns tiveram sucesso, outros não! E muitos sucessos, depressa deixaram de o ser! E até se transformaram em desgraça!
Podemos especular, até ao infinito, sobre o que Sá Carneiro poderia ter sido, (ou não) se o cessna não tivesse caído naquele dia fatídico!
Mas só isso!
O que vai para além disso nada tem a ver com a realidade e tende a caminhar para a mitologia pura.
E passaremos a ter um Sá Carneiro que não foi, mas que poderia ter sido!
O desejado!
O salvador!
O mito!
E é este mito que está a ser criado, alimentado, explorado, paulatinamente, ano após ano, principalmente pelo partido a que pertenceu, e que precisa, como de pão para a boca, de causas agregadoras, unificadoras, mobilizadoras, que possam colmatar muitas outras insuficiências que as realidades de cada dia bem evidenciam.
De tudo isto resulta que, também eu, lamente que os sucessivos inquéritos, investigações, relatórios, ou o que lhe queiram chamar, feitos ao acidente de Camarate, não tenham podido acabar com todas as dúvidas e, de uma vez por todas, se feche este assunto.
Mas fica a sensação de que as conclusões até agora produzidas não surtiram efeito, porque os defensores da versão do atentado não se darão por convencidos, e muito menos por vencidos, enquanto não aparecer uma conclusão que satisfaça a sua vontade.
E, quando isso acontecer, se acontecer, outro capítulo se abrirá por, pelo menos, mais trinta anos:
Quem foi o criminoso?
E, entretanto, o mito continuará a alimentar-se com a especulação, o desconhecimento, a necessidade de causas agregadoras…
E as manhãs de nevoeiro sempre nos recordarão D. Sebastião!
E a crise de 1383-85, e as batalhas pela independência nacional, que se lhe seguiram, serão inseparáveis do guerreiro/guerrilheiro que Nuno Álvares Pereira foi!
E o convento do Carmo terá sempre associada a imagem do guerreiro que virou santo!
E mais de 600 anos depois…
Até podem acontecer milagres!
O.C.