24.04.09
24,25,26,27.
ouremreal
24 - Foi um tempo longo de 48 anos ...
Sombrio para a grande maioria dos Portugueses; com algumas nuvens para uns quantos e com boas abertas para os abençoados veneradores de Salazar e Caetano.
Como havia poucos doentes, os hospitais chegavam.
Como quase ninguém precisava de estudar, não faltavam escolas.
Como as pessoas gostavam de trabalhar e não se queriam reformar enquanto pudessem arrojar as botas, não faltavam reformas.
Como havia trabalho para todos, não fazia falta nenhuma o subsídio de desemprego.
Como as pessoas ganhavam o que lhes queriam pagar, ninguém reivindicava melhores salários e greve era uma palavra que não estava no dicionário.
Como havia censura, as pessoas não se aborreciam com as notícias tristes.
Como a grande maioria não tinha dinheiro nem para mandar cantar um cego, também não tinha grandes aspirações, não se endividava.
Como gostavam muito de andar a pé, de carroça, de bicicleta e a carreira dos Claras não era muito cara, não havia esta enormidade de carros por todo o lado a poluir o ambiente e a derreter dinheiro a cada quilómetro.
E, assim, por diante....
Muitos batiam muitas palmas a Salazar. Alguns batiam poucas, ou as necessárias, e outros não batiam, de todo. Mais tarde, com Caetano, talvez houvesse mais a bater, mas muitos só batiam quando convinha; contudo, bastantes continuaram a não bater.
Portugal era sempre o maior.
Combatia-se heroicamente, em Goa, Damão e Diu, para defender a Índia Portuguesa.
Para Angola já e em força. Angola é nossa.
As províncias ultramarinas serão sempre portuguesas.
Aos 19 anos, das duas uma: ou ias para França, a salto; ou corrias o risco, quase certo, de bater com as costas em África, para umas férias de 2 anos, e mais, na Guiné, Angola ou Moçambique.
Lá na terra, o pessoal ia rezando, choramingando e recebendo uns aerogramas e umas mensagens pelo Natal, com televisão e tudo. Adeus até ao meu regresso.
Com um bocado de sorte, voltavas inteiro, por dentro e por fora.
Ora, era de prever que nem todos aguentassem estas cenas, embora houvesse muita gente a bater palmas e muita, também, em jogo duplo. Deixa lá ver no que é que isto dá. Palmas aqui, palmadas acolá, uma ferroadela mais além. Verdadeiros artistas.
E aconteceu!
25 - Foi um dia ímpar...
De manhã, muitas dúvidas, apreensão; à tarde começaram-se as ruas a encher; à noite, da euforia à loucura foi um instante.
Mas isto não durou muito. Foi até ao 1º de Maio seguinte. Entrou-se no disparate.
26 - Já dura há 35 anos...
Enquanto muitos continuaram a viver na ilusão, os mais avisados foram-se posicionando, ajeitando, encostando, para arranjar um lugar ao sol. Os espertos aproveitaram bem os ventos favoráveis e não deixaram parar os moinhos.
Os da clandestinidade passaram a líderes.
Os verdadeiros artistas continuaram a sê-lo. Deixaram de bater palmas a Salazar e Caetano porque eles morreram e sairam de cena. Mas se voltassem, teriam o Terreiro do Paço cheio.
Mesmo quando dizem que não, nós sabemos que eles estão a mentir.
Os latifundiários eram uns principiantes ao pé dos nossos capitalistas.
Os proletários passaram a sem abrigo, ou estão no desemprego, os empresários estão a falir, a classe média está a minguar e os pobres a aumentar e as grandes fortunas a disparar.
Faltam hospitais, porque está tudo doente.
Faltam escolas, porque toda a gente vai estudar, mesmo que não se saiba bem para quê.
Falta subsídio de desemprego, porque daqui a pouco são mais os que não têm emprego do que os que o têm.
Faltam reformas decentes para quem as merece.
Há muitos e bons carros, mas nem todos estão pagos.
Há muitas e boas casas, mas uma grande parte fica por pagar.
O serviço militar deixou de ser obrigatório. Agora quem quere guerra vai, voluntário, para o Afeganistão, para o Iraque, para o Kosovo e coisas assim.
As rádios, os jornais e as televisões são um nojo, a maior parte das vezes.
Ninguém está satisfeito com nada!
E não tinha que ser assim!
Aproveitámos mal estes 35 anos!
Como será o 27?
O.C.