22.12.08
Ourém - simplex
ouremreal
Registo Civil de Ourém, hoje, 22 de Dezembro, segunda-feira, 10h 30m da manhã. Quem entra naquela sala, depara-se com uma situação de caos absoluto, pelo menos aparentemente, com uma pequena multidão a tentar acomodar-se num espaço exíguo, com conversas e desconversas a denunciarem muita insatisfação, com a máquina das senhas já sem rolo, porque estão esgotadas as senhas para hoje, com funcionários muito ocupados e poucos, sem ninguém com disponibilidade para informar como se renova um B.I., com o vizinho do lado a dizer que para apanhar vez é preciso vir cedo, tipo 7 da manhã e que, depois, para levantar o novo B.I., agora cartão do cidadão, o tal 5 em 1, que afinal é só 4 em 1, porque o cartão de eleitor não entra, é ainda pior, porque é preciso um dia inteiro.
Bem, um cenário destes desanima o crente mais crente de qualquer "simplex".
Perante este cenário, veio-me à ideia uma história antiga:
Um dos meus professores dizia-me que Ourém estava para o País, assim como Portugal estava para a Europa. Isto a propósito do desenvolvimento, progresso, modernidade, ou o que se lhe queira chamar, em que nos vamos sentindo. Portugal era o mais atrasado da Europa, em tudo, ou quase tudo; Ourém era um concelho onde parecia que nada de importante, de inovador, acontecia e, quando acontecia, já não era novidade para ninguém o que significava que já tinha acontecido noutros lugares.
Mesmo que esta opinião resultasse de muitos azedumes acumulados e que, por isso, tenhamos que lhe dar algum desconto, acho que continha muito de verdade e, para mal dos nossos pecados, ainda continua a ter, o que não é, de modo nenhum, animador. Para explicar esta "fatalidade"(?) apontava três razões principais:
1 - A situação geográfica;
2 - O factor religioso associado a Fátima;
3 - A falta de dirigentes competentes.
- De facto, estamos encravados num triângulo que tem nos seus três vértices outras tantas cidades mais antigas e importantes que esta Ourém, agora cidade, (Tomar a nascente, Leiria a poente e Torres Novas a sul, e que, por muito que queiramos negar as evidências, nos vão asfixiando nos mais diversos domínios, desde a modernização de infraestruturas e facilidade das vias de comunicação, à instalação e funcionamento de hospitais, de estabelecimentos de ensino, em especial do ensino superior, indústrias, comércio, serviços, polos geradores de emprego, atractivos e factores de grande desenvolvimento. Ourém sempre se foi ficando pela quase mediocridade, mais ou menos resignado, sem grandes iniciativas, não reivindicando nada, ou pouco, e conseguindo quase sempre menos que os outros.
- Depois, o fenómeno religioso de 1917 aconteceu num País empobrecido, deprimido, socialmente confuso, com um Povo inculto, com milhares de jovens a morrer numa guerra que não percebiam, onde paz e pão para a boca eram bens escassos e de primeiríssima necessidade. Não surpreende que a religião e todo o misticismo associado fossem o refúgio para muita gente, que, impotente para perceber ou contraditar, tudo aceitava, com mais ou menos resignação. É evidente que Ourém não era uma excepção e Cova da Iria, em especial, sê-lo-ia ainda menos.
Todos sabemos como religião, progresso e modernidade nem sempre tiveram coabitação fácil;
Também é conhecida a apetência da religião para comandar os destinos do povo e a concorrência, nem sempre pacífica, com a política, na procura dessa hegemonia. (Aliás, política e religião têm muito mais a aproximá-las do que a separá-las). E quando cada uma das forças puxa para o seu lado, ou, ainda pior, quando as duas puxam para o lado errado, então a coisa não anda mesmo.
Ourém (na altura a vila de Vila Nova de Ourém) saiu muito "chamuscada" desse conflito de interesses, por força de um dramatismo que foi imprimido aos acontecimentos da Cova da Iria (como era necessário) e que se prolongou pelos anos subsequentes, com consequências que se vêm arrastando até aos dias de hoje.
Fátima e Ourém, há um século (quase) que vivem num clima de conflito disfarçado, mais ou menos de costas voltadas, numa luta constante de rivalidades, num concelho com possibilidades a menos e interess(es)eiros a mais.
E o que se constata é que Fátima tem vindo, claramente, a distanciar-se. Tem tido um motor principal, muito potente, a puxar pelo seu desenvolvimento - o religioso - e mais uns motores auxiliares a puxar no mesmo sentido - políticos, sociais - muitas vezes movidos pelo combustível da moda, os "interesses" (pessoais, de grupo).
E as energias gastas num sentido só podem faltar no outro!
- E, por fim, o pior de todos os males: os dirigentes políticos que têm conduzido o concelho nos últimos 34 anos (não vale a pena falar nos anteriores) não souberam, ou não quiseram, numa perspectiva interna, cuidar do desenvolvimento equilibrado deste concelho onde vivemos, procurando que o bem estar colectivo se sobrepusesse a interesses menores; e, numa perspectiva externa, regional, nacional, não souberam ou não se esforçaram para não nos deixar subalternizar em relação aos demais; nem, sequer, tiraram algum proveito, como apregoavam, do facto de serem, algumas vezes, da mesma côr política do governo central. É claro que estes conceitos de bem estar colectivo e interesses menores, ou particulares, são discutíveis. E até, numa perspectiva matemática, poderemos ter de dar razão a quem acha que, afinal, o interesse colectivo não é mais do que uma adição de interesses privados. O que, na prática, significaria que quanto mais atendermos e satisfizermos interesses particulares, mais nos aproximamos da tal "perfeição" que é o interesse público.
Se as 3 razões acima expostas forem válidas, temos a explicação para perceber por que é que esta terra de novos horizontes, afinal, não passa de um atraso de vida.
O que não significa que aceitemos que assim continue em pleno século XXI, nem que sejam elas, as 3 razões, as primeiras responsáveis por uma repartição de Registo Civil onde é desencorajador entrar e onde, certamente, deve ser penoso trabalhar.
E mesmo não sendo assunto que diga, directamente, respeito aos poderes locais, não pode ser ignorado por estes e não se pode continuar a assobiar para o lado como se não estivesse em causa a qualidade de um serviço a prestar aos contribuintes.
O mínimo que há a fazer é dizer ao Sr. Ministro das Finanças e da Administração Pública que venha ver esta vergonha e que se não puder fazer melhor, que meta o simplex no bolso e feche a loja.
O.C.