A actual situação social e política evidencia algumas realidades que não podem ser escamoteadas.
1 - Há descontentamento, mais ou menos generalizado, porque os tempos vão difíceis; o custo de vida aumenta, os salários não chegam, o desemprego e a precariedade dos empregos sobem, o endividamento das famílias atinge valores preocupantes, os apoios sociais são escassos, os ricos estão cada vez mais ricos; o velho ditado que diz que dinheiro faz dinheiro, já não é bem o que era, porque, nos tempos que correm, dinheiro faz dinheiro e poder; e este poder é activo, interveniente. E nem sempre vai no sentido correcto.
O descontentamento é mais acentuado nalguns sectores, especialmente na função pública, sendo o caso dos professores, porque mais actual, o que parece atingir maiores proporções. O problema da avaliação é, apenas, um pretexto, já que a alteração das condições da aposentação, a alteração drástica do estatuto da carreira docente e a gestão das escolas, acabam por ser, de facto, ainda mais importantes; foi o encerramento de escolas que já estava previsto desde 1988, em Decreto do então 1º ministro Cavaco Silva, mas que se foi protelando e, agora, não foi devidamente explicado; foi o desmantelamento de agrupamentos de escolas por razões puramente economicistas; é a transferência de competências para as autarquias em áreas sensíveis como o pessoal não docente e, não tardará muito, de pessoal docente; vai ser a extinção da ADSE.
É o sector da saúde com o encerramento de serviços e a conflitualidade com médicos e enfermeiros; mais o INEM, que se "engana" e chega tarde, mais as viaturas de emergência médica que não podem acudir a todo o lado, mais as urgências, que o não eram, e só serviam para mandar os doentes para as verdadeiras urgências; e as maternidades, e as crianças que nascem nas ambulâncias e nas maternidades espanholas;
É a justiça com toda a confusão que se constata; magistrados e ministério público; e o bastonário dos advogados a dizer o que ninguém tinha dito;
Vai ser, digo eu, a conflitualidade com o provável encerramente de Repartições de Finanças, que a fazer fé em notícias recentes, virá por aí;
São muitos funcionários a contas com uma carreira mal remunerada e travada na sua progressão, mais uns quantos a enfrentar um quadro de mobilidade, cuja justificação ainda ninguém explicou devidamente. E por aí adiante !
2 - Esse descontentamento está a ser, claramente, aproveitado e potenciado pelas forças políticas da oposição. Quando se sabe que a grande maioria das dificuldades actuais são o resultado de erros políticos anteriores, compreende-se, perfeitamente, a demarcação assumida por partidos de esquerda - PCP e BE - que, porque não foram governo, ( o PCP sabe o que fez e pretendeu fazer em 74 e 75 ) não podem ser, directamente, responsabilizados e confrontados com as políticas que foram implementadas. Resta saber, ( e este é o grande trunfo dos que falam, falam, mas não têm que fazer o que apregoam ) o que fariam se fossem governo. Usam os sindicatos como o seu " braço armado ", compensando a sua escassa implantação social com a sua capacidade de mobilização de descontentamentos e consequente agitação de rua, grande visibilidade e eco na comunicação social. E isto serve ambas as partes; por um lado, os que têm razões de queixa e toda a legitimidade para a manifestarem; por outro lado, dá aos promotores toda a visibilidade que as circunstâncias justificam, mas que vão muito para além daquilo que a sua força real permitiria. Digamos que cada uma das partes é usada pela outra de acordo com os seus interesses. Enquanto 100 000 professores participavam numa manifestação como não tenho ideia doutra igual no âmbito da função pública, os activistas sindicais posicionavam-se estrategicamente, multiplicavam-se em tempos de antena e os responsáveis políticos cantavam vitória, em cada entrevista, na esperança de poder contabilizar a seu favor todos os descontentamentos.
Já não se compreende que os partidos de direita - PP e PSD - os maiores responsáveis pala governação dos últimos 30 anos, falem e actuem como se não fosse nada com eles, numa manifestação de incoerência que só revela irresponsabilidade e pouca seriedade. O que fariam Filipe Menezes e Paulo Portas, para além de repetirem o que já fizeram os seus partidos em governações anteriores, se tivessem que tomar medidas no contexto actual? É uma interrogação que fica, já que o primeiro ainda há dois dias disse que ainda não está pronto para governar e o segundo não passará de muleta do primeiro.
3 - O governo está a gerir mal a implementação de algumas das medidas que toma, para além de não se perceber a bondade de algumas delas. É um facto! O 1º ministro disse, ontém, que estes 3 anos de governação foram duros, difíceis, ásperos. Admito que assim tenha governado por necessidade, pela conjuntura nacional e internacional, e que a sua vontade teria sido que assim não fosse. Também reconheço que havia necessidade de alterar muita coisa, que era preciso dar mais eficácia a muitos serviços, para melhor servir quem deles precisa e os paga, rentabilizá-los, de modo a evitar desperdícios. E por imposição da UE, o déficite tinha que estar abaixo dos 3%, desse para onde desse ( não tenho a certeza se este mesmo objectivo poderia ou não ser atingido doutra maneira ). Já se sabia que as medidas a tomar poderiam ir colidir com interesses instalados, provocar descontentamento e receios em quem fosse atingido. O que era suposto acontecer é que os descontentes fossem poucos, o menos possivel, e os satisfeitos fossem muitos. Parece que aconteceu o contrário. Então, das duas uma: ou as medidas tomadas não prestam, não servem, estão erradas, e o governo agiu mal, não serve, é preciso mudar; ou elas são boas e as pessoas não percebem nada, não são capazes de ver o lado positivo das coisas, não querem pensar pelas suas cabeças e preferem alinhar no coro do descontentamento, mandaram a razoabilidade, a solidariedade, e o interesse comum às malvas, alinham no egoísmo e no novorriquismo que se apoderou de muitos de nós e protestam porque sim e também porque não.
4 - Independentemente da distribuição de culpas que possamos fazer, e acho que elas são mesmo de todos, governantes e governados, há um aspecto que tem que ser realçado: quem governa tem que ter a capacidade de explicar o que está a fazer, ser capaz de convencer os destinatários da bondade das medidas que está a tomar, não tirar sem ter uma alternativa compensatória, e não mentir. Se diz que faz, faz mesmo, cumpre; se não tem a certeza de poder cumprir, não promete. Não pode deixar que seja a oposição a desmontar o que nem chegou a ser construído; não pode deixar que seja a comunicação social, com os seus interesses e pontos de vista vários, para quem a conflitualidade é, muitas vezes, o oxigénio da sobrevivência, a informar e desinformar os portugueses; não pode criar condições de protagonismo a sindicatos que também são, eles próprios, culpados de muita coisa que está menos bem, porque não têm sabido acompanhar a evolução dos tempos e ser mais razoáveis nas suas reivindicações.
5 - Nisso, este governo falhou redondamente. E perante tamanha inabilidade, escudou-se na maioria parlamentar que o apoia e optou pela prepotência, por uma certa arrogância que não condiz com a matriz social que o sustenta e passou a impôr. E os resultados estão à vista! E já há quem bata palmas a pensar nos números para 2009 ! Mesmo que não sirvam para nada !
O.C.